O macadame Luminarense: Gastronomia, cultura, tradição e identidade.

Provavelmente, nenhum outro campo cultural represente melhor um povo do que a história de sua alimentação. A maneira de suprir a necessidade mais básica do ser humano é única e exclusiva, dependendo das origens dos habitantes locais e das possibilidades que aquela terra oferece. Os significados da alimentação para as sociedades não podem ser compreendidos, dentro de uma visão de mundo que abrange somente indicadores nutricionais e biológicos. O comportamento relativo à comida revela a cultura em que cada um está inserido. É na alimentação humana que se materializa a estrutura da sociedade, que se atualiza a interação social, sócio ambiental e as representações socioculturais dos que têm em comum uma mesma cultura.

cultura gastronômica invariavelmente se mistura à história e aos hábitos de um país, estado ou município. Baseado nos costumes da população é que vão se formando os gostos e preferências por determinados sabores e temperos. Alguns aspectos como modo de preparo, equipamento utilizado e ingredientes da receita atravessam gerações se perpetuando como segredo de família. É comum ver a tradição sendo contada em causos das rodas de prosa ou nas festas populares.

Os significados da alimentação para as sociedades não podem ser compreendidos, dentro de uma visão de mundo que abrange somente indicadores nutricionais e biológicos. O comportamento relativo à comida revela a cultura em que cada um está inserido. É na alimentação humana que se materializa a estrutura da sociedade, que se atualiza a interação social, sócio ambiental e as representações socioculturais dos que têm em comum uma mesma cultura. Garcia (1999) aponta a ligação da gastronomia com a identidade regional, sendo a alimentação uma linguagem relacionada à cultura regional pelos costumes e comportamentos de um povo. Concordando, Brillat-Savarin (1995) ressalta que a gastronomia se encaixa neste contexto, pois está condicionada pelos valores culturais e códigos sociais em que as pessoas se desenvolvem, ou seja, sua identidade. Além dessa representatividade, a gastronomia sempre será proporcionadora de prazeres não somente palatais, mas também acrescentando ao homem conhecimentos culturais e, consequentemente o status social e a capacidade de convivência e relacionamento com a sociedade (BRILLAT SAVARIN, 1995, p. 58).

 A abstração conceitual da cultura se concretiza no prato (IKEDA, 2004, p. 289-292; MILLÁN, 2002, p. 277-278). A tradição, a história, os sabores, as técnicas e as práticas culinárias somadas contribuem para a formação das culturas regionais. 

O macadame

Em nossa cidade temos um prato que, pelo menos aqui na região e provavelmente no estado, é exclusivo nosso: o macadame. Acredita-se que ele tenha chegado por aqui por volta do início do século. Algumas pessoas apontam sua vinda por intermédio de famílias luminarenses que buscaram trabalho nas construções ferroviário-rodoviárias lá pelos lados do Paraná e retornaram trazendo-o na bagagem. Outra vertente liga sua chegada também à construção de linha férrea e/ou rodovias, só que por aqui mesmo. A origem do nome mais aceita está ligada ao engenheiro escocês John Loudon McAdam, que desenvolveu um tipo de pavimento para estradas que recebeu o nome de Macadame em homenagem ao seu criador McAdam. As estradas construídas desta maneira foram designadas como “macadamizadas”. Acredita-se que o nome da “comida” possa ter surgido do preparo de alimentos por trabalhadores de rodovias e ferrovias. Já que eles viviam em acampamentos ao lado dessas obras e precisavam fazer uma comida rápida e com os ingredientes que tinham disponíveis. Fato é que, mesmo não havendo certeza de como ele chegou a Luminárias, observou-se que, tanto em nossa região, quanto em outros pontos do estado, não se tem notícias do macadame. Já aqui, ele é tradição e quase toda casa tem memórias e histórias relacionadas ao seu preparo. Não existe uma receita única, já que seu preparo está justamente ligado à rapidez e ao uso de ingredientes disponíveis no momento. O arroz, a batata, o macarrão e o feijão estão presentes em quase cem por cento dos preparos. Muitas pessoas, às vezes, o confundem com o famoso prato típico nordestino “baião de dois”, por também conter arroz e feijão e algumas pessoas utilizarem também o bacon. No entanto, a semelhança para por aí, pois nosso macadame é mineiro e bem luminarense. 

Levando em conta seu inegável valor cultural, como forma de manifestação do Patrimônio Cultural Imaterial de Luminárias, pois se liga à cultura alimentar e às sociabilidades e memórias compartilhadas coletivamente pelos luminarenses e também representa um elemento constitutivo da própria identidade da comunidade e da região, historicamente fundamentada em práticas culturais e sociais a partir do decreto nº 083 de 2021, o macadame tornou-se Patrimônio Imaterial de Luminárias. O registro é um instrumento de valorização, pois faz com que a manifestação cultural de um lugar seja reconhecida formalmente como parte integrante do patrimônio cultural municipal e assim, poder oferecer meios que possam garantir sua recriação permanência e continuidade.

Cada vez mais se torna perceptível uma tendência da sociedade à valorização patrimonial de sua cozinha, bem como o resgate da culinária tradicional em várias partes do mundo, ocorrendo, então, a revalorização das raízes culturais (BELUZZO, 2004, p. 242). Dentro deste tema, Lody (2004, p. 150) e Canesqui (2005, p. 36), enfatizam que comer é antes de tudo um ato simbólico, tradutor de sinais, de reconhecimentos formais, de cores, de texturas, de temperaturas, entre outros. Consiste num ato que une memória, desejo, fome, significado, sociabilidade e ritualidade.

Preservação

Verifica-se atualmente que as preparações das cozinhas típicas vêm perdendo certas características histórico-culturais, uma vez que a memória coletiva e o conhecimento oriundo do processo de elaboração destas preparações tradicionais estão desaparecendo, por conta da mundialização dos mercados, da homogeneização das cozinhas, de uma alimentação mais barata ou mais rápida e pela facilidade de aquisição de novas mercadorias estranhas a cultura de origem.

Entende-se que a gastronomia típica pode ser preservada através do “saber fazer”, o conhecimento implícito no processo, já que a matéria-prima inerente ao mesmo é normalmente perecível. Este conhecimento preservado gera uma condição positiva para a disseminação das práticas alimentares para gerações futuras, garantindo uma perpetuação da memória na comunidade.

No intuito de preservar e despertar a identidade cultural, a Coordenadoria de Cultura lançou uma campanha nas redes sociais perguntando aos seguidores se em suas casas hoje em dia ainda se faz macadame. O resultado foi imediato e o retorno, um sucesso.

Texto e Estudo : Aline Cristiane Gomes de Souza